Rankings de vinhos – manual do usuário

Rankings de vinhos – manual do usuário

Publicado por: Ricardo Cesar Publicado: 17/11/2023 08:14 Visitas: 792 Comentários: 0

O truque é manjado, mas funciona sempre: listas exercem um efeito magnético sobre as pessoas. “As dez praias mais bonitas do país”, “As cinco tecnologias que vão mudar a próxima década”, “Levantamento revela as 50 melhores universidades do mundo”, “Os 15 hábitos dos executivos de sucesso”, “Conheça as três tendências da moda para a próxima estação”. E por aí vai. Como não clicar?

Com vinhos não é diferente. O período de fim de ano é especialmente pródigo em listas, rankings e afins. Esta semana, a edição 2023 do aguardado “Top 100 Wines” da publicação norte-americana Wine Spectator (WS) – talvez o levantamento de maior repercussão internacional no setor considerando o impacto para o consumidor final - acabou de ser revelada. E veio com um dedo de Brasil justamente no rótulo que ganhou a primeira colocação – volto a isso mais adiante no texto.

 

Uma semana antes (não por acaso), James Suckling, conhecido crítico de vinhos que já foi editor e chefe da unidade europeia da mesma Wine Spectator até se lançar em voo solo em 2010, também publicou o seu tradicional “Top 100” do ano que está terminando.

Você provavelmente vai esbarrar com representantes dessas listas nas prateleiras, no noticiário ou naquele zap enviado por algum amigo enófilo (ou pelo vendedor da sua loja favorita). Então vale o alerta: antes de engolir – ops – esse tipo de informação é preciso saber interpretar corretamente o que cada “Top 100” significa.

Vamos ao nosso “ranking de vinhos – um tutorial de como usar”.

De saída, convém deixar claro que o expediente de criar listas e premiações dos melhores vinhos – ou de qualquer outra coisa – não é, ou não deveria ser, apenas uma jogada de marketing. Ficaria no mínimo incongruente afirmar algo assim num Guia construído em torno de nada menos do que oito - pois é, oito! - rankings de “Dez mais” para rótulos de diferentes tipos e faixas de preço. Qualquer categorização desse gênero pode até ser também uma boa ferramenta de marketing, mas precisa, primeiro, configurar um conteúdo útil, um levantamento criterioso que se constitui em um serviço para quem gosta do tema (neste Guia dos Vinhos tentamos fazer assim).

O primeiro mandamento para aproveitar essas listas, portanto, é tentar saber quem faz isso com seriedade. Escolha as publicações e os críticos em que você confia e com quem se identifica. Só lendo, pesquisando e sobretudo experimentando o que os especialistas recomendam é que você vai formar essa convicção.

Há muitos outros levantamentos além da WS e de James Suckling, inclusive no Brasil. Por aqui gosto das listas de final de ano que o Jorge Lucki publica no Valor. Ele costuma separar o material em dois grupos - “Novo Mundo” e “Velho Mundo” -, cada um deles com vários tipos ou origens de vinhos e sempre divididos em três subgrupos: “Soberano” (o melhor que ele degustou daquele tipo no ano), “O melhor degustado no mercado brasileiro” e “A melhor relação qualidade/preço provado no mercado brasileiro”. Os dois últimos só trazem garrafas disponíveis para venda no país – encontrar os rótulos no mercado nacional é um critério importante que também baliza todo o trabalho deste Guia dos Vinhos

Em segundo lugar, procure se informar sobre os critérios que são utilizados para compor os rankings. Atenção: tanto na WS como no caso do James Suckling o vinho que está em primeiro lugar não é o melhor do mundo – nem eles acham isso e nem é esse o objetivo desses levantamentos.

Ambos adotam metodologias semelhantes, que se baseiam na relação entre 1) qualidade; 2) preço e 3) disponibilidade no mercado (norte-americano ou internacional, não necessariamente no Brasil). Além desses, entra um quarto item, um componente subjetivo que é a capacidade de o vinho surpreender, entusiasmar ou encantar – podemos chamar de “fator uau”. É a interseção desses aspectos que gera o campeão e que também compõe todo o restante dos pódios.

Por isso você não verá um Romanée-Conti ou Petrus frequentando esses rankings – são vinhos caríssimos e exclusivos, com acesso limitado a poucos bolsos. Nem caberia pensar neles por critério de custo-benefício. Incluir esses rótulos não seria um serviço para a absoluta maioria dos consumidores. Não quer dizer que o ganhador de vinho do ano seja uma bebida superior a esses ícones.

“Todos os anos, os editores do Wine Spectator pesquisam os vinhos avaliados nos 12 meses anteriores e selecionam o nosso Top 100, com base na qualidade, valor, disponibilidade e no entusiasmo (que os vinhos geraram)”, explica Bruce Sanderson, editor sênior da publicação, no texto que acompanha o ranking de 2023.

Os dígitos na etiqueta importam e a inflação dos vinhos tem chamado atenção até dessas publicações gringas que usam parâmetros de mercados onde os vinhos são geralmente muito menos caros do que no Brasil. “Devo admitir que fiquei um pouco surpreso com o preço de quase todos os nossos vinhos mais bem avaliados em 2023. Hoje em dia, cem dólares não valem muito para comprar os melhores vinhos do mundo”, escreve Suckling.

O preço médio por garrafa do Top 100 do crítico neste ano é de US$ 140. Isso daria cerca de R$ 700 pelo câmbio atual, mas, considerando que aqui os produtos frequentemente saem pelo dobro do preço – ou mais -, provavelmente estamos falando de uma média mais próxima de R$ 1.500 por garrafa.

O crítico ainda conta que não considerou nenhum vinho para o Top 100 que custasse mais de US$ 400 a garrafa. Por fim, deu uma – justa – alfinetada em países e regiões que subiram demasiadamente o preço na esteira do sucesso de seus rótulos.

“Os melhores vinhos da América do Sul costumavam apresentar (um bom) valor, mas dobraram de preço nos últimos anos. Espanha e Itália também ficaram muito caras.”

Como se vê, a busca de alta qualidade com um custo ainda razoável norteia esses rankings. Infelizmente alguns produtores, importadores ou lojas exploram de maneira errada o resultado das listas, induzindo o consumidor ao erro. Não é raro que o primeiro colocado seja apresentado como “o melhor vinho do mundo”, o segundo colocado como o segundo melhor e assim sucessivamente.

Não apenas isso não é verdade em nenhum lugar, como pode ser ainda mais enganador no Brasil, onde muitos produtos dessas listas são escassos ou mesmo inexistentes e os preços praticados também são diferentes. Resta óbvio que o próprio critério de qualidade x preço x disponibilidade que gerou essas listas resultaria, pela mesma régua, em um ranking diferente para o mercado brasileiro. (É também por esse motivo que este Guia dos Vinhos foi criado, sempre levando em conta a realidade local. Quase nenhum produto das listas internacionais de Top 100 entraria neste Guia, que na edição 2023-2024 adotou o valor de R$ 300 como teto de preço).

Entendido os critérios dos rankings e suas limitações para a realidade local, vamos a alguns destaques e curiosidades – a partir de um olhar voltado para o consumidor brasileiro - de cada uma delas.

Top 100 2023 da Wine Spectator

  • O primeiro lugar ficou com o Argiano Brunello di Montalcino 2018, um italiano da Toscana que recebeu 95 pontos da publicação e está disponível no mercado norte-americano por US$ 90. O interessante é que essa vinícola pertence hoje ao brasileiro André Esteves, do banco BTG Pactual. “Os novos proprietários chegaram com o compromisso de retornar a uma expressão mais tradicional do Brunello. Refletindo mais de US$ 10 milhões em investimentos na propriedade ao longo de uma década, a qualidade estelar do Argiano Brunello di Montalcino 2018 rendeu-lhe o prêmio de Vinho do Ano da Wine Spectator em 2023”, escreve a publicação.

  • A Argiano mudou de rumo em 2013, quando André Esteves e um grupo de investidores compraram a propriedade da condessa Noemi Marone Cinzano e do enólogo Hans Vinding-Diers, que queriam se concentrar em seu projeto na Patagônia argentina, a Bodega Noemía. A Argiano é uma das vinícolas históricas da Toscana. A sua “villa”, recentemente restaurada, data de 1581.

  • Por aqui, o Argiano Brunello di Montalcino é encontrado por cerca de R$ 800, mas a safra atualmente disponível no mercado brasileiro é a 2017.

  • Vale ressaltar alguns outros produtos disponíveis no Brasil, ainda que geralmente em safras diferentes. Em quinto lugar no ranking da WS, o Mastroberardino Taurasi Radici Riserva 2016 recebeu 95 pontos e custa US$ 73 nos EUA; por aqui é importado pela Mistral, que vende a safra 2014 por R$ 771. Em sétimo está o Antinori Chianti Classico Marchese Antinori Riserva 2020, com 95 pontos e preço de US$ 50 no mercado americano, encontrado no Brasil ao redor de R$ 500. (Se você estiver estranhando esse câmbio de quase exatos 1:10 do dólar em relação ao real, lembre-se do que escrevi acima: infelizmente não é raro que o mesmo vinho seja vendido aqui pelo dobro do que se pratica internacionalmente.)

  • Agora uma boa notícia: a lista traz também alguns produtos de ótimo custo/benefício e que se encontram no mercado brasileiro por preços razoáveis – todos caberiam aqui no Guia dos Vinhos com o nosso limite de R$ 300 por garrafa. Alguns exemplos: Na posição 30, o Terrazas de los Andes Malbec Mendoza Reserva 2021, com 92 pontos; na posição 41, o Adega Cooperativa Regional de Monção Vinho Verde Muralhas de Monção 2022, com 90 pontos; em 42º lugar, o Castello di Querceto Chianti Classico, com 91 pontos. Há outros.

  • A lista completa da Wine Spectator pode ser conferida (em inglês) aqui:

 

Top 100 2023 de James Suckling

  • Nessa lista o vinho do ano foi um Champagne: o Grand Siècle Grande Cuvée N.26 da Laurent-Perrier. Trata-se de uma mistura de safras – algo comum em Champagne -, no caso as de 2012, 2008 e 2007, que amadurece por cerca de 10 anos com as borras na garrafa antes de ser comercializado. Recebeu 100 pontos, a nota máxima. Não é barato nem nos EUA, onde é achado por US$ 235 a garrafa. No Brasil a linha Grand Siècle pode ser encontrada por preços entre R$ 1.000 e R$ 1.500.

  • O segundo colocado –novamente com 100 pontos - é bem conhecido por aqui: o argentino El Enemigo Cabernet Franc Gualtallary Gran Enemigo Single Vineyard 2019. Este vinho, aliás, conseguiu uma dupla nota perfeita, já que a Wine Advocate, publicação criada pelo crítico Robert Parker, também lhe conferiu os cobiçados 100 pontos. Nos Estados Unidos o preço sugerido é de US$ 100; na Mistral, importadora oficial no Brasil, sai por R$ 878.

  • O terceiro colocado é de novo um vinho da América do Sul: o chileno Seña da safra 2021. E, adivinhe, outra vez com 100 pontos (James Suckling não é exatamente conhecido por ser parcimonioso ou econômico na distribuição das notas). Nos EUA custa cerca de US$ 150. Aqui os preços do Seña giram entre R$ 1.200 e R$ 2.500 a garrafa, dependendo do local e do ano.

  • Curiosidade: há um vinho chinês na lista, na última posição: o Ao Yun Shangri-la 2019, um corte de cabernet sauvignon, cabernet franc, syrah e petit verdot que recebeu 98 pontos de Suckling. Trata-se de um projeto da gigante francesa LVMH - que também tem a Chandon por lá.

  • Consulte aqui a lista completa de James Suckling (em inglês e, infelizmente, possível de ser vista apenas em ordem alfabética e sem as notas para quem não é assinante da publicação)


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